26.8.08

Ser Mulher



Todos os dias ao despertar travo uma luta com o agodão fino e suave que insiste em me prender, me enlaçar e envolver em suas tramas suaves, nitidas e bem desenhadas. E num esforço vital, os olhos cerrados, tímidos e fracos aos poucos violados permitem que a luz tênue lhe acaricie.

O grande astro, imenso, imponente e dourado lá fora ruge, inundando o resquício de trevas do que outrora fora o leito de um corpo inerte. E é quando seus braços e seus imensos tentáculos adentram pela janela, recém aberta e com a permissão de seu dono, que me questiono quanto as escolha que fiz e que fizeram para mim.

Cansei de ouvir falar sobre a complexidade do ser feminino, quase sempre essa abordagem é feita por um menino, é certo que as diferenças entre esses universos antagônicos vão além de uma coincidência silábica, mas hoje não é dia de falar de mulheres e de meninos.

Penso todos os dias, no executar da minha rotina como seria a vida das mulheres que me antecederam. Minha bisavó tinha sua vida regrada, era submissa e amou um marido que não queria, foi escolhida, mas não pode escolher, teve tantos filhos quanto o marido quis, e nas suas fotos amareladas, por conta do tempo que nada poupa, há um sorriso apagado, um corpo ereto forçado a enfrentar o que a vida lhe reservou. Minha avó não quis o mesmo destino, mas quando se viu com seus quase 10 filhos, não teve jeito, nas suas contas foram mais de três maridos. As filhas dela estavam libertas, a alforria foi decretada, já era possível casar por amor.

Minha mãe casou-se tarde, talvez por amor ou desespero, porque as amigas já estavam compromissadas e não queria ser conhecida como aquela que não foi escolhida, ou no popular, aquela que tem vocação para ser "tia".

O olhar da minha bisavó manifestava o desejo de não estar no leito de um homem que não escolheu, ela não pediu para ser escolhida, pouco depois as mulheres da época de minha mãe, ela e suas jovens amigas temiam não ser escolhida por homem algum. O que na concepção de uma época era sorte, de outra era infortúnio.

Acordo todos os dias com o peso das escolhas que essas mulheres distintas fizeram para mim. Trago nas mãos a liberdade, presente das gerações que me antecederam, posso fazer o que quizer com meu corpo, minha imagem, meus sentimento, por causa delas hoje o leito não é mais deles, é meu, e posso deitar nele quantos homens desejar, hoje o ventre não é mais deles, e posso ter tantos filhos quanto quizer.

Quando cerro os olhos e o astro-rei deu lugar a bela, solitária e prateada lua, me lembro dessas mulheres e de muitas mais que mudam a história diariamente e que desesperadas ou não, possuem algo de que partilham, mesmo sem escolha _"fazem tudo com e por amor".

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